quinta-feira, 20 de junho de 2013


O desespero do amor, letra por letra


Cissa de Oliveira


As pessoas me acham tímida. Sou mesmo, mas também sou impulsiva, do tipo que pinta uma unha de cada cor só porque está alegre demais, ou usa uma boina, nessa época onde saltitam bonés de marca; e um tanto sem malícia, no sentido de não planejar friamente os meus intentos. É sempre o coração! Outro dia escrevi uma carta de amor e enviei pra ele. Para o meu grande amor secreto. Pior, enviei pelo correio. Pelo correio! Nesses tempos de internet, facebook, twitter e o escambau. E para combinar com o meu ato extremo, colei as palavras no papel, letra por letra, todas da mesma cor. Talvez eu quisesse ser contundente, embora fosse imaginando se permaneceria anônima ou se escreveria ao final da carta as vinte e três letras do meu nome. Assim, preto no branco. Mas o amor pode deixar a pessoa em dúvida. O que não é, parece ser, e o que é, pode ser que não seja! Ah, a verdade, essa bem pode estar no que não se diz! Você sabe, mesmo, o que é isso? Desespero de amor. É quando o coração vira um país em crise. Nesse caso era também uma forma de expressar o cansaço quanto à mumificação das coisas, dos planetas lá em cima. Era preciso falar o verso todo, de um jeito como se ele ou eu fosse morrer no dia seguinte. Só quem sente um amor assim sabe temer uma rasteira do destino. Mas é claro que eu não pensava com clareza essas coisas todas, não, naquele momento era o encantamento: ele, eu, a carta. Uma carta especial. Era já muita coisa! A grandiosidade de um tripé sustentando a existência do ar que se respira, o amor. Por que diabos então eu não me decidia logo se assinaria com todas as vinte e três letras do meu nome? Uma depois da outra, certinhas, obedientes. E por que não aproveitava e marcava ali, como se fosse nele, uns beijos manchados de batom? Coisa antiga? E carta de amor, também não é coisa antiga? O próprio amor talvez o seja, também. Esse pensamento quase me fez desistir do meu intento e talvez eu devesse ter desistido, mas ia recortando uma pilha de revistas como se acaso não fizesse mais nada na vida. De exemplares de revistas frívolas, de fofocas, a revistas científicas. Não segui o impulso de recortar figuras açucaradas, até porque o momento tinha também o seu lado dramático. As primeiras palavras formaram um verso meio bobo, bem do jeito que eu gosto, mas eu já tinha concluído que na verdade ele também era romântico: “...meu amor, a ponte de ar azul desse teu jeito me faz alcançar as estrelas...” Fiquei imaginando a reação dele, já longe da adolescência; por certo seria de surpresa mas talvez de contentamento, e de incerteza, e de curiosidade, de desconfiança, e de vaidade, por estar recebendo uma cartinha de amor. Livre disso o meu amado não morreria. Continuei, como se ainda tivesse doze anos, falando coisas até sem muito interesse, como é próprio das desmioladas que amam o improvável, por amar, apenas, pois que já havia procurado e cada vez mais perdido uma explicação dentro de mim, e nada. Só o amor, só. Ele, um homem assim, assim e mais assim, todo exato, por certo ia me desconjurar, por isso recortei as vinte e três letras do meu nome duas vezes – por causa dele eu sou duas! - embrulhei-as num papel parafilme e grampeei ao final da carta. E então o envelope ficou meio gordinho. Será que ele vai rir? Só sei que me despedi com um abraço, prometendo a mim mesma colocar o envelope no correio logo pela manhã do dia seguinte. À noite sonhei com ele, e a gente caminhava pela rua, de mãos dadas, recém descobertos e ainda limpos da parvalhice dos dias. O envelope já seguiu, meu amor. Palavra de poetisa.

Cissa de Oliveira
20.06.13


terça-feira, 18 de junho de 2013


      sem ponto e vírgula

    alguém intuiu uma palavra
    saída de um livro de poesias e
    sem saber escreveu saudade

    é urgente que se recubra o frio
    com a trama de um tecido floral
    talvez explodir raios ensolarados
    dourados particulares



    Cissa de Oliveira