terça-feira, 31 de maio de 2011

Flagrante - Menção à prosa "Tempestade" de Cissa de Oliveira

Herculano Alencar

À sombra de um livro de poemas
dormem os olhos verdes da menina!
O mar revolve a areia, branca e fina,
enquanto uma gaivota bate penas...

Chapéu de palha -sombra pequenina-
proteje-lhe os sonhos de verão,
enquanto o vento morno varre o chão
e o sol bate-lhe às portas da retina.

À sombra da menina, a poesia
avulta-se em versos, rodopia...
e torna o belo muito mais perfeito.

E eu, que era um poeta de passagem,
me pus a rabiscar tão bela imagem
na tela imaginária de um soneto.

Herculano Alencar

Herculano Alencar é natural de Piripiri – Piauí, e vive em São Paulo desde 1979. É médico dermatologista (desde 1978) e escritor desde 1970. Herculano é membro de academias e faz parte de grupos de literatura como o Grupo Ateneu Poesias e o Grupo Pax Poesis. Autor de inúmeros poemas (a especialidade é o soneto) e participações em antologias.

Vejam ele aí no primeiro plano, todo compenetrado na Bienal do Livro de 2010- São Paulo, enquanto a Rosa Pena e eu parecemos fofocar um pouquinho.



Tempestade 
 

Cissa de Oliveira

Sempre me ocorreu que dentre as definições que o ‘Aurélio’ traz sobre a palavra tempestade, nenhuma me agrada. Sejam aquelas relacionadas com as alterações desastrosas da natureza, ou as outras, relacionadas a perturbações e desordens mais pessoais.

  É que pra mim, sinceramente, tempestade só mesmo as que acontecem num copo d’água, preferencialmente, aliás, num copo de suco, com muito gelo picado, no meio de uma tarde espichada, mas espichada com alguma preguiça, sabe como é, com um jeitinho que somente a orla marítima, lá em São Sebastião, é quem tem. No olhar, a leveza do azul do céu emendado com o das águas. No corpo, a sombra irregular de uma árvore esparramada, enquanto o vento conversa, animadamente, com as folhas dela. Se isso fosse recordação, seria bonito. Mais bonito é que sejam recortes de recordação misturados com imaginação.

  Reclino a cadeira um pouco mais. Quase deitada, coloco sobre o rosto o chapéu de palha com vistoso laço de fita. A fita é vermelha, e o laço tenta se desfazer, enquanto as nuvens rascunham, a todo instante, uma nova configuração. Por entre os poros da palha trançadinha do chapéu, a paisagem vai se fragilizando.
 
  Caleidoscópio de verão. Esboço de vigília. Das minhas mãos se desprende um livro de poemas, mas a rigor nada acontece, a não ser alguns minúsculos e brilhantes grãos de areia sobre a pele. Depois? Uma crônica, talvez, sem clausura nem brancura de papel, em meio a uma tempestade de sonhos, todos possíveis, assim, sob as pestanas semi-cerradas.
  
Cissa de Oliveira

A seita do fim

Cristina Pires


Para a Cissa de Oliveira
 
 
        Há coisas na vida, que pouco me preocupam. Se o meteorologista anunciou chuva, e o sol radiou, por exemplo. Para quê atardar-se em detalhes? O homem errou, e pronto. Afinal, o erro é da natureza... humana.

        Mas há outras coisas, talvez insignificantes para uns, que me tiram o sono. A noite de quarta, passei-a em branco, andando de um lado para outro, transformando a minha sala numa fidedigna Sala dos Passos Perdidos, a ponto de cavar um fosso entre o princípio e o fim. E era aí que residia a insónica questão: no fosso entre o princípio e o fim. Se ao menos esse peso me fosse para as pálpebras... Mas não! Pesava-me nas entrevistas, martelava-me as origens, tolhia-me as bases. Era uma marginal, era o que era! Sem regra e sem lei.

        Nas idas, ouvia a Cissa dizer-me que achava interessante o facto de alguém começar pelo final; nas vindas que lhe parecia prático mas bem difícil, porque o final  é o tchan podendo num único verso, inclusive, negar tudo o que se acabou de ler!

        Negar, negar, negar...

        E o caso piorou! Veio o Machado, e diz-me, como quem não quer a coisa, com as suas várias histórias: "limitava-se a negar tudo. E digo mal, porque negar é ainda afirmar...". Então, eu nego mas afirmo, finalizo para principiar, alvo o princípio. Em resumo, asserto-me!

        Entre as minhas idas e vindas, já com o fosso pelos tornozelos e os ombros pelos joelhos, descaio diante de Jorge Luis e afundo as minhas andanças até à seita do Fénix, ao segredo dos seguidores do Fénix, aos sectários...

        O rito constitui o Segredo, diz-me ele. Este transmite-se de geração em geração, mas o uso não quer que as mães o ensinem aos filhos, nem tão-pouco os sacerdotes; a iniciação no mistério é tarefa dos individuos mais reles. Um escravo, um leproso, um mendigo, passam por mistagogos.

        Escrava morfética da esmola da noite; mestra dos mistérios, dos segredos...

O facto em si, é trivial. Não existem templos, nem orações, nem celebrações deste meu ritual. Mas, um quarto escuro, uma cave, ou umas ruínas, são-me, são-lhe, lugares propícios. Também não existem livros sagrados, onde figure, entre linhas obscuras, um significado decente. Também não há palavras que o definam, apesar de todas as palavras o aludirem. Tudo fica na clandestinidade leprosa. E o princípio pelo fim, ficará no fosso dos meus conceitos. Em mim, por exemplo, isso já é instintivo...
  
Cristina Pires

Cristina Pires é portuguesa, natural da margem esquerda do Tejo, e atualmente vive na margem esquerda do lago Léman, Genebra. Escreve pelo prazer de ver o tempo passar. Participou de antologias no Grupo Ateneu Poesias e publicou contos, crônicas e poemas em vários sites. Diz que "vive a pensar" que poderá retirar as palavras da solidão de uma morte lenta, e arrelia as lápides das palavras extintas, velhas e esfalfadas.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Tudo se dissolve no ar

Cissa de Oliveira


Já faz um tempinho que as minhas palavras e pensamentos se dissolvem por aí, sem que eu os organize para publicação aqui no “Casa de Pano”. Pura falta de tempo, eu venho dizendo, essa desculpa nada original que costumamos reproduzir frente às mais variadas situações.

E “Casa de Pano”, por que Casa de Pano? Muitos já perguntaram. Eu vou contar. Em 2004, ao visitar a Bienal das Artes de São Paulo eu me deparei, literalmente, com uma casa de pano no meio do pavilhão. A casa, composta por dois cômodos, uma espécie de varanda, teto, chão, etc, possuía um diferencial: Versos pelas paredes. Lindo, não é? E foi considerando que não posso escrever versos pelas paredes da minha casa - ao menos não literalmente -, que na hora de nomear este blogue eu escolhi “Casa de Pano”.

E eu tive sim, TEMPO para publicar, até porque possuo textos inéditos. É verdade que eu gosto deles cada vez menos, saberá Jesus o porquê, eu não. Ou sei, pronto; e já que hoje é o dia de polir pequenas desculpas, eu gosto menos dos meus textos antigos porque em muitos deles “aquela” discussão já não é a minha.

Por sorte, entre uma inspiração nova e outra, vou publicando aqui outros autores, porque estes sim, sempre interessantes, quase em consonância com Carlos Drummond de Andrade (1902-1987): “as palavras não nascem amarradas, elas saltam, se beijam, se dissolvem”.

Dizem que tudo se dissolve no ar. Não sei; sei apenas que toda palavra tem direito à sua caminha de silêncio.

Cissa de Oliveira

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Pedro Salgueiro em entrevista

Esta entrevista foi concedida pelo autor, à Revista MUITO – Revista Semanal do Grupo “A Tarde”, através de Breno Bernardes.

Pedro Salgueiro (Tamboril, Ceará, 1964) é da geração que ficou conhecida como Geração 90, por conta da compilação homônima organizada por Nelson de Oliveira. Salgueiro tem editados os livros de contos O Peso do Morto (1997), O Espantalho (1996), Brincar Com Armas (2000), Dos Valores do Inimigo (2005) e Inimigos (2007), de contos; além de Fortaleza Voadora, de crônicas. Vencedor do Concurso Guimarães Rosa, da Rádio France Internationale, e do Prêmio de Contos da Biblioteca Nacional/Instituto Nacional do Livro para obras em curso, dentre outros. Tem contos nas coletâneas Contos Cruéis, Geração 90: manuscritos de computador, Os Menores Contos Brasileiros do Século, Quartas Histórias e Todas as Guerras. Diz ele que, se essa tal Geração 90 tem algo em comum, é justamente a falta de um estilo ou temática em comum. De sua parte, prefere ambientar seus contos nas pequenas cidades.



É possível ensinar a escrever? 
Ensinar a escrever, sim, claro, com técnica, boa gramática e um estudo apurado; agora, escrever com talento é bem mais difícil. Acredito muito que exista uma capacidade inata para apreender o mundo ao redor e transportá-lo para o papel em forma de arte; assim como acredito também que sem um esforço de elaboração, de suor, de tentativas várias, não se consiga desenvolver um texto de valor maior. Um jogador de futebol esforçado pode até ser mais eficiente que um craque relapso, mas um craque esforçado vale por mil apenas esforçados.

O que mais te atrai no conto? 
O desafio de tentar dizer tudo o que se tem em mente com pouquíssimas palavras, de contar uma história ou sensação sem ter que matar (como bem dizia Clarice Lispector) com palavras as entrelinhas. Acho que o contista, por causa desse desafio, tende a ter uma técnica mais apurada, um senso de escolha mais contundente. Como escreveu o argentino Cortázar, o escritor de contos  tem que ganhar a luta de boxe por nocaute (já o romancista pode muito bem se contentar em vencer por pontos), com um golpe certeiro.

Nunca tentou o romance, a poesia?
Como quase todo jovem comecei escrevendo poesia, uma poesia muito ruim, imitando a péssima poesia dos poetas marginais dos anos 1970. Com o tempo, e quase sem querer, fui, naturalmente, indo para a prosa curta. Não acredito que um autor escolha o gênero em que vai escrever melhor, acho que o gênero é quem escolhe o escritor. Tem pessoas que até pra dar um recado dão arrodeios, fazem associações em várias direções, traçam paralelos, acabam (se não tiverem muito talento) confundindo o interlocutor; estes serão os romancistas. Outros enfeitam tudo que falam, tem uma presença de espírito em dizer coisas banais; escreverão poesias com êxitos. Já o sujeito seco, lacônico, fatalmente se sentirão atraídos pelo conto. Na maioria das vezes em que escuto essa pergunta de quando irei escrever um romance, percebo um certo ranço de preconceito para com o contista (não é o seu caso, acredito), como se o romance fosse um passo além… Então, para desafiar o interlocutor, costumo afirmar que escreverei um romance quando não tiver mais capacidade de escrever um bom conto (claro que devolvo o mesmo preconceito, mas serve como vingança).

Minimalismo é escolha estética ou dogma? 
É tendência inata, não escolhi escrever contos curtos com uma consciência teórica, sempre fui lacônico, calado, casmurro… Tudo o que é derramamento sempre me enfadou muito. Talvez por eu ser de uma região muito seca (o sertão dos Inhamuns, no Ceará) tenha adquirido uma secura interior inconsciente; na minha região as pessoas são lacônicas, falam as frases pela metade, nunca completam o raciocínio começado, têm medo de que a quentura seque a saliva de suas bocas. Claro que a escolha dos meus autores prediletos seria por esses parâmetros, da contenção, da secura; da tentativa de dizer o máximo com o mínimo de palavras. Sempre fui fanático por Machado de Assis, Juan Rulfo, Dalton Trevisan, Luis Vilela, Tchekov, Moreira Campos e outros mini(ani)malistas.

Qual o ponto em comum dos autores chamados Geração 90?
Apesar de ter participado da coletânea Geração 90: Manuscritos de Computador, organizada por Nélson de Oliveira, eu nunca consegui ver uma identidade comum entre os muitos autores, eu mesmo sempre me senti um peixe fora d’água dessa turma toda, pois ainda faço uns contos ambientados em cidades pequenas, quando a maioria é bem urbana… Talvez o que pareça mais comum nessa minha geração seja a falta de traços comuns entre seus membros (risos). Sinto-me mais próximo talvez (descontando o desnível, claro) de um José J. Veiga, de um Graciliano Ramos; também percebo alguns pontos de contatos dos meus pequenos contos com os que fazem hoje, por exemplo, Ronaldo Correia de Brito (também cearense) e o sergipano Antônio Carlos Viana.

O que foi marcante na literatura nos anos 00?
Acho muito cedo pra que se analise até mesmo a minha geração, que hoje é composta por tios grisalhos e barrigudinhos, quanto mais a essa safra maravilhosa de bons autores que pululam por aí em todos os estados; daqui a uns 20 anos talvez se vislumbre o pouco trigo perdido em meio a esse imenso matagal de joios. Mas nós precisaremos sempre de classificações, de amarras, de compartimentos estanques, de etiquetas… Muitas vezes um autor é bem mais próximo de outro que escreveu um século antes, outros estão completamente à frente de seu tempo (estes, muito poucos). Aqui mesmo no Ceará e outros estado do Nordeste vejo uma juventude muito afoita, muito aguerrida; mas dificilmente agora saberemos quem é fera mesmo, quem é só fogo de palha… o que se tem aprendido com o passar das gerações é que sobrevive bem pouca gente, e que nem sempre é quem está na boleia de sua geração (risos).

Como é seu processo de escrita?
É uma mistura de intuição com técnica aprendida ao longo de anos de leitura; de erros muitos e acertos poucos; de muito papel riscado (ainda hoje escrevo à mão as três primeiras versões dos contos), de cada ano floresce duas ou três historinhas em meu jardim de cactos, quando muito. Gosto de ficar matutando a narrativa um bom tempo antes de pô-la no papel, mas às vezes elas vêm de uma vez com uma força danada, como um transe espírita (o que sempre acho um mistério). Guardo por um bom tempo, releio, vejo se mantém ainda o fogo do início; penso em outras maneiras de contar a mesma história, faço variações, submeto aos amigos escritores, à minha companheira, também mostro para pessoas que não têm muita familiaridade com a literatura, pra sentir alguns aspectos de compreensão, de efeito das imagens. Porque o conto tem várias camadas, e alguns níveis de escrita nem todos vão perceber, mas acho que temos que fazer um bom balanceamento dessas camadas, para que não caiamos nem no conto raso, anedótico, típico, nem na mera masturbação estética, preciosa, vazia.

Quem são os escritores que mais te influenciaram?
Não dou conta de quantos, desde os livrinhos de caubói que lia na bodega de meu avô, que era viciado, fanático mesmo, passando pelos cordéis de feira (tão comuns em minha região), que passavam da voz dos cantadores para o papel ruim das tipografias, até os livros ditos literários mesmo. Sempre li de tudo, de literatura barata aos clássicos. Claro que com o tempo você vai se apegando a alguns autores, que foram vários em diversas épocas; teve o tempo do realismo mágico, li quase tudo de Jorge Luis Borges, Garcia Márquez, Vargas Lhosa, Júlio Cortázar, veio a época dos clássico nacionais, dos estrangeiros, me ficaram alguns autores de cabeceira, como Juan Rulfo, Graciliano, Moreira Campos, John Fante, Salinger, Dalton Trevisan, José J. Veiga e diversos outros que volto de vez em quando. Agora mesmo estou relendo todo o Tchekov que tenho guardado, e que prazer renovado, que força, que sensibilidade. Onde terá aprendido tanto da alma humana em tão pouco tempo de vida aquele discreto médico de província, de família miserável e atitudes discretas? Um mistério! Agora tento aprender mesmo é com o livrão do mundo, como bem disse Raduan Nassar em uma de suas raras entrevistas (Cadernos de Literatura, do Instituto Moreira Sales).

Que obra dita grandiosa você leu e achou ruim?
Diversas grandes obras da humanidade li sem nenhum prazer, mais por incapacidade minha, por pressa, por estar mais interessado em outras coisas; de alguns autores esperava muito e me decepcionei, muitos anos depois, por contingência de um relançamento ou outro qualquer, fui reler e adorei. Uma grande obra não é nunca ruim, outros é que são os nossos anseios, expectativas. A primeira vez que li os contos de Juan Carlos Onetti achei um “saco”, monótonos; eu ainda estava impregnado de García Márquez e seu turbilhão de imagens, não poderia gostar mesmo naquele momento, tempos depois me tornei fanático pela obra do uruguaio, que hoje tenho toda num lugar bem seguro da estante, sempre ao alcance da mão.

Leia mais sobre Pedro Salgueiro nos portais de literatura Cronópios (www.cronopios.com.br) e Jornal de Poesia (www.jornaldepoesia.com.br).
Entrevista em: http://www.atarde.com.br/revistamuito/?p=4881

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Querubim do Telhado da Conceição

Cissa de Oliveira



Tudo bem que os outros ainda o vejam como uma escultura, quando o veem, mas Querubim do Telhado da Conceição é muito mais do que isso.

Residente no alto da igreja matriz, em Campinas, ele sempre tivera planos para o futuro: ser um anjo de verdade. Um dia ele perderia o medo de voar, largaria aquela trombeta despertadora de fiéis à missa dominical e conheceria outros mundos. Por dentro do concreto é que ele ia alimentando o sonho, e tanto, que há tempos se sentia mais leve e até possuidor de um coração que palpitava.

Anjo temperamental e impaciente, numa tarde nublada ele passou, sorrateiro como uma sombra, do telhado da catedral diretamente para uma nuvem que lhe roçava os pés. Dali era voar ou cair! Era por volta de dezessete horas e vinte minutos, mas o céu encoberto impediria que alguém um pouco mais observador se assustasse com tamanho feito. Não fosse o improvável acontecer, somente o vento testemunharia fenomenal queda - ele pensou -, assim como os pombos que normalmente o tinham como cabide e faziam grande alvoroço. Mas passava pela praça uma poetisa que, intuindo “alguma coisa”, sacou o telefone celular. Com a câmera ela registrou o fato.

Ainda lá de cima, Querubim do Telhado da Conceição a viu; mas a poetisa apenas sorriu com jeito de quem lhe jogaria um beijo. Aquela naturalidade fez com que ele, em plena queda, perdesse o medo e se transformasse em anjo de verdade. E foi essa a primeira vez que, num movimento de asas, Querubim do Telhado da Conceição ganhou os céus.

Cissa de Oliveira

domingo, 1 de maio de 2011

Um café no dia do trabalho

Operários (1933). Óleo sobre tela, 150 X 230 cm.Reprodução de obra de Tarsila do Amaral.

O Dia do Trabalho é comemorado em 1º de maio. No Brasil e em vários países do mundo é um feriado nacional, dedicado a festas, manifestações, passeatas, exposições e eventos reivindicatórios.

Foram dias marcantes na história da luta dos trabalhadores por melhores condições de trabalho. Para homenagear aqueles que morreram em conflitos, a Segunda Internacional Socialista, ocorrida na capital francesa em 20 de junho de 1889, criou o Dia Mundial do Trabalho, que seria comemorado em 1º de maio de cada ano. Aqui no Brasil existem relatos de que a data é comemorada desde o ano de 1895, porém, foi somente em setembro de 1925 que esta data tornou-se oficial, após a criação de um decreto do então presidente Artur Bernardes.
E para comemorar, um poema de Ferreira Gullar:

O AÇÚCAR


Ferreira Gullar

O branco açúcar que adoçará meu café
Nesta manhã de Ipanema
Não foi produzido por mim
Nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro
E afável ao paladar
Como beijo de moça, água
Na pele, flor
Que se dissolve na boca. Mas este açúcar
Não foi feito por mim.

Este açúcar veio
Da mercearia da esquina e
Tampouco o fez o Oliveira,
Dono da mercearia.
Este açúcar veio
De uma usina de açúcar em Pernambuco
Ou no Estado do Rio
E tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana
E veio dos canaviais extensos
Que não nascem por acaso
No regaço do vale.

Em lugares distantes,
Onde não há hospital,
Nem escola, homens que não sabem ler e morrem de fome
Aos 27 anos
Plantaram e colheram a cana
Que viraria açúcar.
Em usinas escuras, homens de vida amarga
E dura
Produziram este açúcar
Branco e puro
Com que adoço meu café esta manhã
Em Ipanema.


Ferreira Gullar/José Ribamar Ferreira (1930). Poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista, e ensaísta brasileiro, e um dos fundadores do neoconcretismo. Vasta obra publicada.Indicado para o Prêmio Nobel de Literatura (2002). Ganhador do Prêmio Jabuti (2007). Agraciado com o Prêmio Camões 2010; tendo sido contemplado nesse mesmo ano com o título de Doutor Honoris Causa na Faculdade de Letras da UFRJ.