O desespero do amor,
letra por letra
Cissa
de Oliveira
As pessoas me acham tímida. Sou mesmo, mas também sou impulsiva, do
tipo que pinta uma unha de cada cor só porque está alegre demais,
ou usa uma boina, nessa época onde saltitam bonés de marca; e um
tanto sem malícia, no sentido de não planejar friamente os meus
intentos. É sempre o coração! Outro dia escrevi uma carta de amor
e enviei pra ele. Para o meu grande amor secreto. Pior, enviei pelo
correio. Pelo correio! Nesses tempos de internet, facebook,
twitter e o escambau. E para combinar com o meu ato extremo,
colei as palavras no papel, letra por letra, todas da mesma cor.
Talvez eu quisesse ser contundente, embora fosse imaginando se
permaneceria anônima ou se escreveria ao final da carta as vinte e
três letras do meu nome. Assim, preto no branco. Mas o amor pode
deixar a pessoa em dúvida. O que não é, parece ser, e o que é,
pode ser que não seja! Ah, a verdade, essa bem pode estar no que não
se diz! Você sabe, mesmo, o que é isso? Desespero de amor. É
quando o coração vira um país em crise. Nesse caso era também
uma forma de expressar o cansaço quanto à mumificação das coisas,
dos planetas lá em cima. Era preciso falar o verso todo, de um jeito
como se ele ou eu fosse morrer no dia seguinte. Só quem sente um
amor assim sabe temer uma rasteira do destino. Mas é claro que eu
não pensava com clareza essas coisas todas, não, naquele momento
era o encantamento: ele, eu, a carta. Uma carta especial. Era já
muita coisa! A grandiosidade de um tripé sustentando a existência
do ar que se respira, o amor. Por que diabos então eu não me
decidia logo se assinaria com todas as vinte e três letras do meu
nome? Uma depois da outra, certinhas, obedientes. E por que não
aproveitava e marcava ali, como se fosse nele, uns beijos manchados
de batom? Coisa antiga? E carta de amor, também não é coisa
antiga? O próprio amor talvez o seja, também. Esse pensamento quase
me fez desistir do meu intento e talvez eu devesse ter desistido, mas
ia recortando uma pilha de revistas como se acaso não fizesse mais
nada na vida. De exemplares de revistas frívolas, de fofocas, a
revistas científicas. Não segui o impulso de recortar figuras
açucaradas, até porque o momento tinha também o seu lado
dramático. As primeiras palavras formaram um verso meio bobo, bem do
jeito que eu gosto, mas eu já tinha concluído que na verdade ele
também era romântico: “...meu
amor, a ponte de ar azul desse teu jeito me faz alcançar as
estrelas...”
Fiquei
imaginando a reação dele, já longe da adolescência; por certo
seria de surpresa mas talvez de contentamento, e de incerteza, e de
curiosidade, de desconfiança, e de vaidade, por estar recebendo uma
cartinha de amor. Livre disso o meu amado não morreria. Continuei,
como se ainda tivesse doze anos, falando coisas até sem muito
interesse, como é próprio das desmioladas que amam o improvável,
por amar, apenas, pois que já havia procurado e cada vez mais
perdido uma explicação dentro de mim, e nada. Só o amor, só. Ele,
um homem assim, assim e mais assim, todo exato, por certo ia me
desconjurar, por isso recortei as vinte e três letras do meu nome
duas vezes – por causa dele eu sou duas! - embrulhei-as num papel
parafilme e grampeei ao final da carta. E então o envelope ficou
meio gordinho. Será que ele vai rir? Só sei que me despedi com um
abraço, prometendo a mim mesma colocar o envelope no correio logo
pela manhã do dia seguinte. À noite sonhei com ele, e a gente
caminhava pela rua, de mãos dadas, recém descobertos e ainda limpos
da parvalhice dos dias. O envelope já seguiu, meu amor. Palavra de
poetisa.
Cissa
de Oliveira
20.06.13
Ora Cissa! A gente vai deixando passar os dias, semanas, meses...Longe das leituras, longe do coração. Adorei ler este texto que achei primoroso! Vou deixar-me agarrar de novo, Cissa!
ResponderExcluirUm beijo