sábado, 16 de abril de 2011

O Deus de Nelson Rodrigues

Cissa de Oliveira


Deus só freqüenta as igrejas vazias”. Nelson Rodrigues.

Por essa e por outras, muitas outras, é que é praticamente impossível nos lembrarmos de Nelson Rodrigues sem que nos venha à mente o seu mais marcante sucesso: a série “A vida como ela é”.

E se a vida é como ela é, então por que deixar isto à parte da literatura, uma das mais belas, disseminadas e acessíveis obras de arte? Assim, o autor se tornou célebre também pelas suas “tiradas”, frases deixadas em textos famosos e também em avulso, a maioria delas polêmicas.

A maneira pela qual Nelson Rodrigues se expressava era escancarada, atirada, muitas vezes beirando a vulgaridade, mas nem por isso impensada. Dono de uma ironia toda própria, ele fazia tremer convicções, provocando com a sua forma aguda de se expressar, a sociedade, sobretudo os conservadores. Por isso, falar sobre ele ou sobre as tiradas dele é se colocar, literalmente, numa cilada.

Então como é mesmo isso de que “Deus só freqüenta as igrejas vazias”? Que Deus é esse, o de Nelson Rodrigues? Teria ele chegado a tal conclusão através de desgraças presenciadas – ele foi repórter policial - ou teria ele próprio procurado por Deus e, não vendo seus anseios realizados, se colocado a desdenhar da ação de Deus? Quer parecer que com essa frase o autor atribui a Deus o nível máximo de indiferença para com a humanidade, a ponto de lhe virar a face, justamente no local onde, ao menos teoricamente, Ele é mais buscado.

E o que é essa “igreja vazia”? Teria Nelson Rodrigues considerado, mesmo de forma inconsciente, que uma igreja vazia é, como qualquer espaço esvaziado, vazia de tudo? Vazia de fiéis, sim, mas também de todo e qualquer objeto e ritual de cunho religioso, de interpretações, símbolos, adjetivos e até mesmo de fé. E ainda mais, se o local que Deus frequenta é vazio, seria vazio Dele mesmo? É provável que a frase de Nelson Rodrigues não tenha esse alcance, até porque é uma abordagem afirmativa. O Deus de Nelson Rodrigues existe, embora seja um Deus que, na medida em que frequenta somente as igrejas vazias, escolhe o afastamento, recusando-se a estender a mão. Mas que Deus é esse, o de Nelson Rodrigues, se na bíblia pode-se ler: “porque onde estiverem dois ou três reunidos em Meu nome, aí estou Eu no meio deles” (Mateus 18,20).

O Deus contido nessa abordagem de Nelson Rodrigues é inatingível, e ali está, aparentemente, apenas para marcar uma ausência imensurável, e significativa a ponto de fazer a vida ser como ela é, e não do jeito que se gostaria, mas que a gente – e isso inclui o autor – continua buscando, sempre, mesmo que através de subterfúgios e negações, como se cada dia fosse um domingo e estivéssemos caminhando, não por coincidência, em direção à igreja.



Nelson Rodrigues (1912 – 1980), escritor, jornalista e dramaturgo pernambucano, foi repórter policial durante vários anos, além de grande representante da literatura teatral. Autor de grandes sucessos, tendo se destacado desde a série “A vida como ela é” que foi inicialmente o título de uma coluna escrita por ele entre 1951 e 1961, no Jornal Última Hora. O autor produzia sob pressão jornalística diária, seis dias por semana. A série, constando de contos e crônicas, foi sucesso popular, publicada também em livros, além de ter feito sucesso no teatro.

5 comentários:

  1. Eu comentei antes, mas não devo ter feito isso direito. Eu disse que nunca me atrairam os livros de Nelson Rodrigues, porque fui influenciado pelo baixo nível de filmes que vi no finzinho dos 70, inicio dos 80!

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  2. Olá Luis, obrigada pela sua visita e pelo comentário. Não notei o outro comentario... é possível que ele tenha vindo por e-mail, porque todos os que chegram via blogue estão aqui.

    Abração.

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  3. Cara amiga Cissa. O texto e de uma inteligencia incomum visto que trata de um tema complexo com uma simplicidade assustadora. Nunca fui fã de Nelson Rodrigues mas pode ter certeza que acabei de me tornar um fã seu.
    Tadeu

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  4. Nelson marcou época. Nunca será esquecido. Soube criar um estilo, era diferente, precisava ser interpretado (quase sempre não entendido) Salve ele( hoje e sempre)
    Bjs
    Bel

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  5. Cada um interpreta como quer. Mas pra mim o que fica claro é que os cristãos não entenderam o
    Cristo, que ensinou: "Seja feita a Vossa vontade,
    assim na terra como no céu." O que vamos fazer na igreja é pedir que seja feita a nossa vontade, por isto não há sintonia entre o Criador e a criatura. Mesmo quando Jesus disse que, onde estivessem dois ou mais a invocá-lo, ele estaria presente, de modo algum ele aboliu o Pai Nosso. É duro isso, mas parece que a oração existe para nos dar força, não para atender solicitações. Se em algum ponto o Evangelho se contradiz, a culpa pode ser do tradutor ou mesmo de quem registrou tanto tempo depois o que o Cristo possa ter dito.

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