sábado, 30 de abril de 2011
Falando em metamorfose
“O animal está mais próximo de nós do que o homem”. Quem disse isso foi Kafka, justiça seja seita, Franz Kafka a expressão literária mais irônica e mais fofa que eu tenho lido, que me perdoe Fernando Pessoa, Edgar Allan Poe, Jorge Amado, Ezra Pound, Vinícius e por aí vai.
Não sei se o Animal está mais próximo de nós do que o Homem, mas que ele desperta mais facilmente, não há como negar. É quando deixamos um tanto abafada a nossa porção humana: por displicência, por vaidade, por comodismo, medo, por achar que assim é que é, e pronto.
Talvez Kafka tenha tomado por base essa mesma frase ao escrever “A Metamorfose” : um belo dia o sujeito acorda e se vê metamorfoseado em inseto. Não é dito com clareza, durante todo o conto, qual seria o inseto, talvez numa alusão de que até nisso se sobressai o animal, que nunca se mostra em sua totalidade, subtraindo da outra porção (a humana), a verdade.
Kafka é irônico, muitos afirmam. É, mas faz isso de forma bem engraçada. Numa passagem inicial de conto, e apesar das dores, o personagem Gregor tenta a todo custo se levantar, não para tocar a vida rotineira, cumprir obrigações etc, mas para, assustando os outros, se livrar das responsabilidades. Na cena seguinte, ele ouve o farfalhar das saias da irmã, enquanto esta passa correndo em direção à porta principal da casa, à busca de um médico. Como não ouve a porta bater, deduz que permaneceu aberta, e pensa como isso “é típico e esperado nas casas onde ocorrem grandes desgraças". Ora, se ele queria se livrar das responsabilidades – e para isso seria essencial continuar inseto – não deixa de ser irônico e engraçado taxar como “desgraça” justamente a situação que o colocava à parte dessas responsabilidades.
O conto mostra situações de uso do poder, o desamor dos personagens, principalmente em relação a Gregor, evidenciando assim a dualidade do ser humano.
Mas mais do que isso eu não vou dizer, para não estragar a surpresa a quem porventura não tenha lido - ainda - A Metamorfose, e aí fica a sugestão.
Cissa de Oliveira
Kafka em 1906
Franz Kafka (1883 — 1924). Foi um escritor de ficção da língua alemã do século XX. Nasceu numa família de classe média judia em Praga, na então Áustria-Hungria. Suas obras - a maioria incompleta e publicada postumamente - destacam-se entre as mais influentes da literatura ocidental. Seu estilo literário presente em obras como A Metamorfose (1915) e romances incluindo O Processo (1925) e O Castelo (1926), retrata indivíduos preocupados em um pesadelo de um mundo impessoal e burocrático. A casa em que ele nasceu, na Praça da Cidade Velha, ao lado da Igreja de São Nicolau em Praga, contém agora uma exposição permanente dedicada ao autor.
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