quinta-feira, 5 de maio de 2011

Querubim do Telhado da Conceição

Cissa de Oliveira



Tudo bem que os outros ainda o vejam como uma escultura, quando o veem, mas Querubim do Telhado da Conceição é muito mais do que isso.

Residente no alto da igreja matriz, em Campinas, ele sempre tivera planos para o futuro: ser um anjo de verdade. Um dia ele perderia o medo de voar, largaria aquela trombeta despertadora de fiéis à missa dominical e conheceria outros mundos. Por dentro do concreto é que ele ia alimentando o sonho, e tanto, que há tempos se sentia mais leve e até possuidor de um coração que palpitava.

Anjo temperamental e impaciente, numa tarde nublada ele passou, sorrateiro como uma sombra, do telhado da catedral diretamente para uma nuvem que lhe roçava os pés. Dali era voar ou cair! Era por volta de dezessete horas e vinte minutos, mas o céu encoberto impediria que alguém um pouco mais observador se assustasse com tamanho feito. Não fosse o improvável acontecer, somente o vento testemunharia fenomenal queda - ele pensou -, assim como os pombos que normalmente o tinham como cabide e faziam grande alvoroço. Mas passava pela praça uma poetisa que, intuindo “alguma coisa”, sacou o telefone celular. Com a câmera ela registrou o fato.

Ainda lá de cima, Querubim do Telhado da Conceição a viu; mas a poetisa apenas sorriu com jeito de quem lhe jogaria um beijo. Aquela naturalidade fez com que ele, em plena queda, perdesse o medo e se transformasse em anjo de verdade. E foi essa a primeira vez que, num movimento de asas, Querubim do Telhado da Conceição ganhou os céus.

Cissa de Oliveira

2 comentários:

  1. Poetas têm esse dom! Nada é impossível, nada é inatingível, mesmo que seja registrar o momento de transformação de um querubim de pedra em um anjo de verdade...
    Bj Cissa

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  2. Si seu blog está magnífico, lindo texto!
    bjs da sua irmã.

    Mora Alves

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