Cissa de Oliveira
Raimundo Rufino passava horas dizendo bobagens assoviadas. Trocava o som do “s” , do “c” e do “z” pelo “f” com a mesma inconsciência com que opinava sobre qualquer assunto.
“Grafas a Deus o meu nome é Raimundo Rufino Adro Carqueja. Nome de homem valente, decidido, macho. E meu irmão Zeferino Fauvinin, emendando o mesmo fobrenome, idem. Logo fe vê que disfernimento e constânfia os meus pais poffuíam. Coifa esquifita em homem é nome dofinho, que nem que foffe fruta. Vitor, Giovane, Lucas, Tales. Desconjuro, e niffo declaro grande efpanto: uma coifa é nome de mulher, e outra, bem diverfa é nome de homem. E não foffe affim? Aparefiam logo as intolerânfias.”
Intolerância quanto a homem de brinco. Ah, que com isso ele não concordava, não tolerava e não absolvia. O caso é que se ele tolerava ou não, ou se absolvia, ninguém dava a mínima, aliás, o que davam era corda no juizo mole dele pra que falasse, provocando risadas. - E aí Raimundo, tu avistou algum homem de brinco hoje? Não, ele não tinha avistado, da última vez tinha sido no domingo. “De calfa moleton da fininha, chinelo e brinquin, e mais, era um homem affim, mais véio de que eu! Fe ao menos foffe um artista, mofo... Com eles não tem problema, né? Aquilo era marmota de marca maior, que eu nem que rico foffe, coifa que não quero, nunca ia botar brinquin!”.
E porque tu não quer ser rico? Instigavam. Rico todo mundo quer matar, principalmente as mulheres, declarou. “Fe um dia eu ganhar na loteria...” – e tu joga? - “Jogo, por vífio somente. Fim, mas ganhando na loteria, fe iffo tiver que fer, compro logo uma fafenda; arranjo um monte de mulher muito das bonitonas, affim que nem faz jogador de futebol, e ponho todas lá, pra ficarem andando pra lá e pra cá”.
Tem cabimento ironia nesse destrambelhado? Um pavoroso que até a própria sombra se esconde dele, não vai tratar mulher feito vaca no pasto. Ainda hoje faço mandinga da braba que homem nulo de caráter tem de aprender é nos trancos! Injuriada, mostrava seu descontentamento a dona Bárbara, “A Poderosa”, assim apelidada por ser legítima jogadora de praga. Ei, que até mesmo quem não acreditava nessas coisas, dela não desdenhava.
Mormaço no dia seguinte. Nada de vento, de pássaro, de barulhada nas árvores. Dia paraaado! O capim, mais comportado do que tapete de quarto. Raimundo Rufino veio apontando por ali mas ei! - como explicar o que não se entende? - que o capim começou a fazer redemoinhos, redemoinhos, redemoinhos -, redemoinhos convergindo para o lado de onde ele vinha, montado no costumeiro cavalo. O que era aquilo, o que era? “Valei-me Noffa Fenhora!”. O cavalo já sobre duas patas, e ele, medo impresso do dedão do pé ao último fio de cabelo, se agarrou nas crinas do animal. As pessoas, a bem da verdade, só na risada. Então aquele era o valentão da cidade? Num repente, parecia boneco crispado. O cavalo, que por certo era mais sensível do que ele se libertou e saiu em disparada. Raimundo Rufino ficou ali mesmo, entrevado. Tinha virado estátua. Espanto. Espantalho. Referência na praça da cidade.
O primeiro aparato que recebeu foi um vistoso par de brincos; o segundo, o apelido de Carmen Miranda.
Cissa de Oliveira
lindo amiga....adorei bjs
ResponderExcluirEllen