terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Três horas e meia e uma calcinha preta

Cissa de Oliveira



A notícia veio pelo correio, entre outras tantas na mesma carta. Numa frase só, assim, como se nem tivesse importância. Finou-se Luiz Antonio Santos, no dia 17 de janeiro. Morte de passarinho. Instantânea. Alguém pode com uma coisa dessas? Asseguro que não. Não nego, chorei um rio maior do que quando ele me deixou pra casar com a moça da outra cidade.

A carta reli, esmiucei diversas vezes sobre a mesa da cozinha, entre uma e outra ocupação. Depois, mãos úmidas de enxugar prato, deixei-as bem deixadas sob o queixo, cruzadas. Má notícia, má verdade. Há tempos que um do outro a gente era coisa fortuita, fumaça rápida, passagem. Mas agora, morto completo, Luiz Antonio, tu parece é fumaça de casinha longe, crescendo, crescendo e crescendo na paisagem. Devia era de minguar de vez, junto com as lembranças todas. Mas qual o quê, então pensei em ficar desavergonhada dos nossos acontecidos, contar tudo em verso, embonitar os escondidos, alardear do calor que tu, só de me olhar, provocava por debaixo das saias, do filho dos nossos reencontros, que eu registrei só no clandestino, assim, como se fosse bebida falsificada. Ao certo, eu devia era botar tudo num livro, Luiz Antonio, num romance. Vingancinha da boa contra aquela que passava a Páscoa, o Natal, o Ano Novo e todos os aniversários contigo. Água com açúcar de cinema, mas cinema. Sessão da tarde. Propaganda de margarina no café da manhã. Desde menina eu tive jeito pras coisas do lápis e do papel. Lembra que eu escrevia cartas pra quem não sabia escrever? Talvez eu deva aproveitar esta ocasião e dizer que quando a notícia era muito triste, desaforada ou dolorida eu inventava um brilho, consertava um tanto. De feio, naquele tempo, bastava a realidade, a pobreza, a sem gracez dos dias.

Ninguém consertou a má notícia da tua morte, Luiz Antonio, por isso eu caraminholei e chorei bem umas três horas e meia. Foi muito? Foi pouco? Depois, enterrei você Luiz Antonio, enterrei pra sempre, não do jeito que eu mesma me prometia ao final de cada uma nas nossas despedidas. Mas foi o nosso filho chegar, eu te desenterrei por instantes. Desenterrei, ressuscitei. Contei teu nome, sobrenome, procedência. Agora ele já sabe que tem pai conhecido. Defunto, mas conhecido. E como todo defunto merece um luto, Luiz Antonio, decidi: hoje a noite eu vou usar aquela calcinha preta e sexy, presente teu. Ela fica meio escondida nas partes, é sabido, mas tudo bem, porque assim como tu dizia sobre as coisas da nossa vida secreta, o que vale é a intenção.

Cissa de Oliveira

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